É realmente interessante, para não dizer curiosa, a maneira como o Poder Público determina que seja o comportamento dos candidatos a funcionário de algumas de suas instituições. Exigindo um perfil próximo da perfeição, a Administração Pública – que não deveria cometer erros -, e que também não age de forma imaculada ao prestar serviços à comunidade, faz uma investigação social na vida dos aprovados nas provas objetivas antes de nomeá-los ao cargo.
Se falarmos dos políticos, então. Deus nos livre. Se houvesse uma investigação social mínima para a aprovação dos eleitos, quase nenhum poderia tomar posse. A Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) em parceria com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgou no dia 12 de agosto de 2008, resultado de uma pesquisa revelando que 85% dos eleitores creem que a política é uma atividade em que os próprios políticos são os principais beneficiados. Só 12% avaliam que as ações são voltadas para o povo. Isso foi publicado nos jornais Folha de S. Paulo, Correio Braziliense e Gazeta Mercantil.
Para exemplificar, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em seu último concurso, ofereceu salário invejável para quem tem somente o nível médio de escolaridade: R$ 4.458,38. Certamente que um cidadão de nível intermediário buscando emprego na iniciativa privada não conseguirá um salário desses, isso sem contar os benefícios. Contudo, algumas pessoas poderiam ter sido aprovadas na prova objetiva, mas “barradas” na fase de investigação social.
A exigência da realização de uma investigação na vida do candidato aprovado serve para o Governo não admitir servidores que poderiam prejudicar a sociedade. Seria realmente maravilhoso que os funcionários do governo agissem de forma ilibada, e que sua conduta fosse irrepreensível. Mas todo mundo sabe que não é assim. O Poder Público comete injustiças para tudo quanto é lado, ora multando indevidamente, ora editando medidas que desrespeitam os direitos das minorias. Dentre suas incontáveis falhas, as injustiças cometidas contra os mais pobres - que quase não têm acesso à justiça – são as mais notórias.
Na Instrução Normativa que regulamentou a investigação social da Abin, por exemplo, tinha até item estipulando que o candidato não pode ser dado à costumeiras bebedeiras. Obviamente que um concurseiro não deve, em nenhuma hipótese, fazer uso constante de álcool, caso contrário não conseguirá ser aprovado. O que o assunto nos leva a pensar é: não estaria a Administração Pública criando regras subjetivas para escolher somente os candidatos que interessem aos seus propósitos em uma seleção destas?
Pela maneira como o edital é elaborado, os governos poderiam utilizar-se de algumas regras de modo a ficar com uma “carta na manga” e, assim, optar por um ou outro candidato.
O item V do edital do último concurso da Abin é, no mínimo, estranho: “relacionamento ou exibição em público com pessoas de notórios e desabonadores antecedentes criminais ou morais“. Se você for visto com um antigo líder político que lutou contra a ditadura e que conseguiu sair vivo, um amigo que se tenha, do tipo que os “milicos” lamentam não terem conseguido colocar suas mãos torturadoras nele, você será eliminado então? Isso é pouco? E o item XV: “demissão por justa causa nos termos da legislação trabalhista”. Se houve uma injustiça com um cidadão no período em que trabalhava na iniciativa privada - e esse tenha sido o motivo de ter procurado ingressar no serviço público -, ele poderá ter mais uma decepção?
E quem escreve um artigo como esse, melhor nem pensar em candidatar-se. Repare no item III “manifestação contumaz de desapreço às autoridades e a atos da administração pública”. Para quem não conhece o termo “contumaz”, ele significa hábito; costumaz, costumeiro, habitual - de acordo com o Dicionário Eletrônico Houaiss. Não que seja um hábito de minha parte manifestar desapreço aos atos da Administração Pública, mas eu não pude evitar o comentário sobre as regras que ela cria em editais de concursos públicos. Algumas são subjetivas, e podem conter intenções ocultas, que utilizadas de forma incorreta por algum inescrupuloso figurão do Poder Público, podem servir para a ocorrência de fraudes na escolha de candidatos.
Espero que a Administração Pública não se utilize da tal da “investigação social” para selecionar somente os candidatos que interessem aos seus propósitos, mas que ninguém é santo, isso posso afirmar com toda a certeza. Todos têm erros que podem vir à tona em uma investigação. Alguns deles, não interferirão no trabalho de atendimento ao cidadão. Da maneira como estabelecem que seja a conduta do cidadão, após passar pela fase de investigação social, o candidato pode ter absoluta certeza de que irá direto para o céu quando deixar esta vida. Nem no purgatório ficará. Juntamente com a aprovação nesta fase, receberá um passe livre para habitar as divinas mansões celestiais.
Vamos prestar maior atenção nessa fase dos concursos públicos chamada de “investigação social” e verificar se não estão ocorrendo fraudes.
Por Murilo Coelho
é editor da revista Guia Prático de Concursos Públicos
terça-feira, 12 de maio de 2009
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